agrupamento independente de pesquisa cênica

Composto atualmente pelos artistas pesquisadores Clóvis Domingos, Flávia Fantini, Frederico Caiafa, Idelino Junior, Joyce Malta, Lissandra Guimarães, Matheus Silva, Nina Caetano, Paulo Maffei, Sabrina Batista Andrade e Wagner Alves de Souza, o Obscena funciona como uma rede colaborativa de criação e investigação teórico-prática sobre a cena contemporânea que visa instigar a troca, a provocação e a experimentação artísticas. Também participam dessa rede colaborativa obscênica os artistas Admar Fernandes, Clarissa Alcantara, Erica Vilhena, Leandro Acácio, Nildo Monteiro, Sabrina Biê e Saulo Salomão.

São eixos norteadores do agrupamento independente de pesquisa cênica, o work in process, os procedimentos de ocupação/intervenção em espaços públicos e urbanos e os procedimentos de corpo-instalação, além da investigação de uma ação não representacional a partir do estudo da performatividade e do pensamento obra de artistas como Artur Barrio, Hélio Oiticica e Lygia Clark.

Atualmente, o Obscena desenvolve o projeto Corpos Estranhos: espaços de resistência, que propõe tanto trocas virtuais e experimentação de práticas artísticas junto a outros coletivos de arte, como ainda a investigação teórica e prática de experimentos performativos no corpo da cidade. Os encontros coletivos se dão às quintas-feiras, de 15 às 19 horas, na Gruta! espaço cultural gerido pelo coletivo Casa de Passagem.

A criação deste espaço virtual possibilita divulgar a produção teórico-prática dos artistas pesquisadores, assim como fomentar discussões sobre a criação teatral contemporânea e a expansão da rede colaborativa obscênica por meio de trocas com outros artistas, órgãos e movimentos sociais de interesse.

segunda-feira, maio 18, 2009

'Baby Dolls - uma exposição de bonecas'


Relato (´rio) Obscênico, sobre o trabalho de sábado, 16 de maio na Praça 7

Eram oito e meia da manhã e Joyce bate no portão de minha casa. Eu já ansiosa, o dia era especial, pois colocaríamos em prática diversos apontamentos feitos desde a última ‘exposição’. Em especial sentia-me feliz e excitada porque minhas propostas e ‘figurino e adereços’ seria experimentada pelas bonecas de Joyce e Lica. É estranho utilizar os termos figurino e adereço neste trabalho, mas por hora serão estes. Chegamos à casa de Lica e começamos a organizar o trabalho e demais necessidades, discutimos sobre a divisão do espaço a ser ocupado, nesta exposição escolhemos a parte da Praça 7 em frente ao Posto Psiu e para nossa alegria este está em obras e cercado de um tapume rosa! Ajeitei meus objetos no carrinho de feira que ganhei de Nina, que maravilha cabe tudo! Dou os últimos retoques na roupa de Joyce, ajudo Lica a montar a noiva e saímos. Devido ao tempo que gasto para montar o tapete, combinamos de eu e Nina iniciarmos a ação, Joyce e Lica viriam após um certo tempo. A participação de Nina na escolha das páginas de revista foi fundamental. A atenção que ela dá aos textos somou a minha composição e o tapete ficou mais conciso em sua mensagem. Decidi não trabalhar mais com a frase ‘destrua esta imagem’ por perceber que ela não trazia as mulheres para perto e sim as afastava do meu trabalho, logo, como meu desejo é alcançar o interesse feminino preciso ativar, aguçar sua curiosidade para minha exposição. Para tanto propus a Nina que trabalhasse em outra perspectiva, uma vez que ela é a mulher das palavras, convidando as mulheres a brincar de casinha, algo que eu já havia feito e que percebi ser mais potente a realização dos meus desejos.
Trabalhei frente ao tapume, equilibrei meu espaço entre um poste e duas latas de lixo. Dividi minha ação nas seguintes etapas:
1) Chegada e seleção do espaço para montar o tapete;
2) Busca de água para molhar as páginas de revista;
3) Seleção das páginas e início da composição;
4) Vesti o vestido, montar o tapete já com uma ‘roupa feminina’;
5) Seleção de uma frase para responder às perguntas dos transeuntes sobre o que se dava: _ estou montando um tapete.
6) Após a montagem inicio a construção da casinha. O primeiro a ser colocado é o castelinho, sempre à frente do tapete. Os cômodos foram ordenados da seguinte maneira: área de lazer, onde se encontram os bonecos; sala de estar; copa; cozinha; área gourmet.
7) Visto as outras duas peças de roupa, me coloco atrás do tapete, visto a calcinha no rosto, seguro o buque de flores, vassourinha e rodinho e me exponho ao público.
A reação foi de fato totalmente diferente. Percebi que as mulheres não se irritavam ao me ver e sim paravam para observar o que se passava. Admiravam a casinha, os objetos, comentavam entre si, mas ainda não se sentiam confortáveis para intervir nos objetos.
Destas vez nós trabalhamos em acordo com uma proposta feita por Clóvis, primeiro montamos cada nicho das bonecas, estabelecemos a exposição e depois começamos a fazer as mulheres mortas, esta ação de fato tornou o trabalho mais claro. Ao me deitar senti forte o cheiro da cidade, o rastro das pessoas que passavam por mim. Fiquei um bom tempo deitada, Nina estava ocupada com outras escritas e isto foi fundamental para meu trabalho. Minha escuta da cidade se ampliou e percebi diversas características. A calcinha sobre meus olhos, por exemplo, me possibilita uma relação velada com as pessoas ao redor,um mascaramento, elas não se sentem coagidas com meus olhares e eu fico mais livre para observar o que se passa. Este elemento cria também uma imagem santificada, remete aos orixás com seus olhos encobertos, aquele que tudo vê sem ser visto, esta é uma relação que desejo aprofundar. Uma vez que a visão fica velada o corpo se abre para outras escutas. Desta vez estive muito mais sensível e flexível. Retirei do meu trabalho a postura agressiva que até então empreendia e percebi que isto faz com que as pessoas, principalmente as mulheres se aproximassem mais. Na segunda vez que me deitei uma senhora se aproximou, ela pensou que eu passava mal. Perguntou, mas nada respondi, ela saiu, mas voltou e me balançou, notei que ela andava com a ajuda de uma muleta, não vi seu rosto, somente senti seu toque o que trouxe para mim uma sensação enorme de conforto naquela posição em que estava, com o rosto colado no chão sujo e fedido da praça sentindo o movimento das pessoas à minha volta e principalmente a reverberação do trânsito e o tremor do chão. As outras mulheres que estavam em volta explicaram para a senhora que aquilo era uma apresentação e que eu não estava passando mal, senão elas mesmas já teriam me socorrido. A senhora se acalmou e saiu. Eu permaneci imóvel. Senti a cidade de maneira tão forte que todas vezes ao me levantar das mortas meu corpo estava remexido, fiquei meio trôpega, o chão me sugou e me cuspiu de volta, senti-me mais presente e integrante daquela arquitetura urbana. Num dado momento eu, Lica e Joyce fomos para o ponto central entre nossas instalações, nos deitamos e Nina pôs-se a nos desenhar. Ali configurou-se a exposição, um risco de três corpos que compõem a imagem do trabalho. As frases de Nina explicitando o teor de nossas inquietações, certamente fomos mais concisas.
Percebo que necessito criar dispositivos mais eficazes para trazer as mulheres para dentro do tapete. Nesta exposição somente uma se atreveu a brincar com os objetos. O que será que a fez vir? As frases convidativas? A minha ausência, uma vez que estava deitada quando ela se pôs a brincar? Ainda não tenho certezas, mas creio que a alteração da minha energia foi crucial à reação desta mulher, logo preciso de mais atrativos, meu especo precisa ser convidativo! Para o próximo trabalho apostarei no aumento dos objetos da casinha, quero entupir o tapete com miniaturas de eletrodomésticos. Quem sabe assim eu consiga a atenção e ação das mulheres?

Um comentário:

Clóvis Domingos disse...

Erica...não sei se perder a agressividade é o ponto a ser atingido,pelo contrário, vejo no teu trabalho esta força agressiva e violenta. Talvez a questão seja ir gradativamente construindo esta agressividade, passando de um pólo mais suave para algo mais bruto e virulento. Vejo tua consciência de pesquisadora aumentando, você conseguindo conciliar muito bem a prática e teoria, aprendendo com a tua própria prática artística, e isso é maravilhoso.